Ao refletir sobre a descoberta de Freud, (1917-1920) de que “o ‘EU’ não é mais senhor em sua própria morada”, melhor dizendo, de que há um “outro” em nós; nossos atos dão prova de uma determinação inconsciente; e com o fato de que o ambiente contém nele toda sua complexidade. Percebe-se que em nosso EU carregamos uma marca coletiva através dos laços sociais, somos afetados através desses traços e peculiaridades, entre discursos que nos envolvem enquanto indivíduos. Então, como podemos pensar a interrelação dentro de valores e suposições diante do que seja ideal?
Encontramos essa resposta ao se deparar com outro discurso Freudiano em psicologia das massas (1920-1923), que enfatiza a NÃO separação entre o coletivo e o individual, portanto sempre haverá em algum nível do nosso “SER”, um discurso que é afetado através do “EU e o OUTRO”.
Através da visão do sociólogo polonês Zygmunt Bauman (2001) em seus estudos sobre modernidade líquida é possível ampliar essa reflexão para se pensar na sociedade contemporânea: Como pensar em posições diante da vida, da morte, desejos e seus significantes?
A psicanálise apresenta em sua função clínica o atravessamento dessa dimensão, que o sofrimento não é somente físico, mas também psíquico dentre o que é SER nos tempos pré-contemporâneos e contemporâneos; e em nossas formas de se relacionar e de se constituir, através desses laços sociais. Ainda que os sintomas sejam potencializados pelo negacionismo e recusa através do reconhecimento da necessidade da normatização, no âmbito da integridade da vida humana, a pressão da sociedade permanece invisibilizando a percepção dos conflitos atuais.
Se pensarmos num passado recente – final do século XX – a vida tinha mais tempo, era mais devagar, desacelerada, numa ideia de mundo estável, cíclico, como as estações, permitindo a transcendência de vida, com menos liberdade e mais estabilidade, caos criativo, regrado de sentido. E esse tempo é muito importante e necessário para viver, elaborar, estar presente e ter densidade em nossas experiências. Mas… com essa aceleração: o que nos sobra? Quem somos? O que estamos fazendo?
A modernidade instaura o direito e o dever no sujeito individual, que é convidado a criar, inventar sua vida, suas vontades, mas isso tem seus ônus e bônus. E então carregamos nessa tarefa uma nova identidade, sem tempo de ser narrada, como um lugar que “deve ser” conquistado, performado por um superego rígido, sem piedade. Passamos a questionar e ser questionados: Você está fazendo só isso? Porquê está desempregado? Não teve orgasmo? Ao nos deparamos com tudo isso só nos resta pensar: ‘estou cansado, sou incapaz!’
Como nos afetarmos com o outro se estivermos conectados com esse ideal imaginário, que nos coloca cada vez mais distante e desamparado, sem coragem para mostrarmos nossas vulnerabilidades? Aos poucos, vão se instalando conflitos contemporâneos, pela dificuldade de formar laços sociais de amor, por não criarmos conexão, e o viver vai ficando insustentável, sem sentido, distante.
Precisamos pensar em novas pausas, criar novos espaços, somos seres desejantes e é impossível estar na vida sem sentir! Qual preço estamos pagando para inibir os nossos sentimentos?